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Quando o calor aperta…

 

…e a sede desperta…não, não há um corneto p’ra ti nem para mim mas há sempre, sempre Coca-Cola! (recado aos mais novos: vão ver a RTP Memória!)

Impressionante a quantidade de “refresco” ou refrigerantes que já bebemos desde que chegamos aqui!

Não vamos falar do que bebemos (a preferida continua a ser lenho…) mas antes do que eu e a minha querida Tia Sara comemos por cá. Há coisas com nomes e aspecto muito engraçados. Vejamos:

-secção dos tubérculos: há grandes e pequenos mas todos muito estranhos: mangute, nzama, macumbe…”estranho” seria o nome que lhes dava!

– secção culinária: matago é arroz tufado, mucuane é uma verdura (que pode ter várias origens) misturada com leite de coco. Nada de estranho aqui, apenas muito bom!

-secção mesmo bizarra: as termiteiras ou murmuxê são enormes e também fonte de alimento: come-se não só as térmitas mas também uns voadores, cujo nome me escapa, que são um petisco. Para além de ter tido o prazer de ver um a ser comido ainda vivo e ao vivo, soube que dão um excelente caril e que sabem a camarão. Nada de anormal: em Portugal os tremoços são o marisco dos pobres, aqui são estes animaizinhos!

Pequeno acréscimo – a Tia Sara insiste em mencionar um outro petisco muito apreciado em Milange: os ratos! Deste não será enviada foto! Peçam à Tia Janine.

Também se come gafanhotos e outras espécies mas já chega de informação sobre especialidades da terra.

No Natal seremos muito mais tradicionais e planeamos uma ementa tranquila: cabrito, bolo-rei, rabanadas e compota de ata! Pois: ananás e manga, claro!

O bolo-rei vamos comprar à D. Eugénia, o restante irá preparar-se cá em casa e, sim, vai correr muito bem!

Já temos uma árvore de natal muito bonitinha com folha de coqueiro e estamos a decorar o salão para a ceia.

Também já contratamos os músicos que têm estado a ensaiar todas as noites: a machamba e o campo de futebol são agora um lago onde habitam 500000000 rãs, grilos e sei lá mais o quê. Ensaiam tanto que dormir começa a ser uma actividade complicada…Há ainda a possibilidade de pescar em todos os locais acima mencionados e também no poço. Ainda bem que os peixes não fazem barulho e acasalam em silêncio!

Não haverá fogo de artifício mas podemos sempre olhar para o céu e ver (também ouvir) o voo dos morcegos sobre o rio dos Bons Sinais. Dizem que vão passear a Inhanbane que fica lá do outro lado.

É realmente incrível a quantidade de “animália”com que se convive no dia-a-dia. Faz-nos lembrar a nossa infância no campo (pois, nós somos as duas moças do campo!) mas a verdade é que tantos anos de cidade tinham adormecido essa parte do mundo em nós. Afinal não estamos sós neste mundo, acompanham-nos todos os tipos de seres que mencionei e muitos mais, ainda que às vezes não perceba bem porque é que têm que existir…

Esta parte do texto é só minha (Paula): hoje não falo das crianças da casa porque quero falar da minha nova amiga: Tia Sara. E esta é a minha prenda de natal para ela, que receberá quando ler o blog, já que combinamos que só oferecemos “prendas feitas e não compradas”. Como não tenho muita aptidão para outras artes, escrever é a única forma que encontro para lhe agradecer por estes meses de partilha em todos os sentidos. Partilhamos casa, preocupações, sonhos, desilusões, refeições, trabalho, praia, cansaços, conversas e muita, muita alegria! Acho que a família portuguesa da Sara tem que se habituar: depois deste ano a secção feminina da casa vai aumentar e terão uma nova irmã. A minha até vai agradecer: só dá homem na casa Coelho! A vida é boa quando nos dá uma companheira como a que tenho aqui e a Sara é a melhor que poderia ter. Obrigada, Tia Sara, e paciência: vais ter que me aturar muitos e longos meses…

Voltamos então a ser duas a falar:

Temos que desejar agora Feliz Natal e Bom Ano Novo a todos aqueles que se lembram de nós (mesmo aqueles que só se lembram um bocadinho…) aqui em Moçambique e aí em Portugal. E, sem dúvida, deixar um recado especial às nossas famílias: estamos bem as duas, felizes e prestes a ter um natal inesquecível! Por isso, divirtam-se aí e não deixem que as saudades imensas que têm destas duas meninas fantásticas e maravilhosas vos façam sentir tristes um segundo que seja! Estamos juntos!

Muitos, muitos beijos a todos e, como prenda, um abraço com o calor de Moçambique para aquecer esse vosso Inverno frio!

P.S. da Paula: Já pedi a minha prenda ao pai…natal! Quase que me enganava…

Tia Paula e Tia Sara

A língua portuguesa é muito traiçoeira!

E já dizia o outro. Mas aqui esta magnífica “tirada” toma forma e atinge-nos como uma bofetada: o português é efectivamente levado à letra, de tal forma que se não nos orientamos acabamos a meter o pé na poça quando menos esperamos.


E, acreditem ou não, ser do norte não ajuda: o palavrão é absolutamente proibido e quando nos sai algum é bom que seja entre dentes e sem que ninguém note!

Outra coisa magnífica é a ironia, que aqui não parece existir. Melhor: existir, existe, mas duma outra forma que ainda não atingi. Ora o meu humor negro, nonsense ou os trocadilhos…esqueçam! Mesmo, mesmo complicado tentar explicar o duplo ou triplo ou…das palavras. O que é, é e ponto final.

Exemplos práticos: palerma! Pois, palerma chamo eu a toda gente em Portugal, palerma para aqui, palerma para ali…nada! Palerma não se pode dizer, chamar ou pensar porque é um “ganda” insulto. Antes tonto ou atrasado, mas palerma é que não.

O Evaristo zangou-se comigo e até hoje não consegue entender, apesar de andar a treinar comigo a ironia e já perceber que digo sempre o contrário do que realmente é: do melhor é do pior, fantástico é uma porcaria, está muito bem é está muito mal, estou muito feliz é estou desgraçadinha.

“O tempo está bom” é “está um calor que não se pode” e “há-de vir” é “já não aguento isto mas…há-de vir!”

Outra ainda melhor: “abraço a esse bandido”. Ora esta frase, que seria vista como uma saudação carinhosa entre amigos, dá pano para mangas: bandido – malfeitor, ladrão, bandoleiro, salteador, assassino, facínora, etc. coisa e tal. Pois a mim disseram-me que fosse ver ao dicionário o que queria dizer (como se eu tivesse problemas com a língua) e não houve conversa que convencesse o senhor em causa do contrário. Bolas, ainda por cima teimosos e não me serve de nada os longos anos de estudo da língua. A questão cultural realmente ultrapassa tudo.

E eu tenho é que aprender e parar de me queixar da falta de entendimento da malta. E tenho também de ter muito cuidado porque a minha língua ainda é mais traiçoeira que a materna…enfim, viver e aprender, minha gente! Obrigadinhas, professoras Rosa, Olívia e afins: afinal não há nada como a presença para perceber essa história do multicultural e a dificuldade que pequenas, grandes coisas como o uso do vocabulário da nossa língua podem criar.

E depois de muita explicação e entendimento: tu ficas com a tua e eu com a minha, que teimosia é o que não falta e há que adaptar porque não há outro remédio. Achava eu que era teimosa, pois não sou!

Feitas as considerações necessárias sobre este assunto, o seguinte: os putos! E hoje falamos do João e do Latifo, os manos mais velhos da casa. Não vou dizer, como é hábito, que são uns doces porque já são bem crescidinhos, daí que digo: são uns pães!

Agora a sério, são muito giros estes putos e muito bem comportadinhos! Ajudam sempre as tias, tomam conta dos mais pequeninos e depois…só pensam em damas! Se estão mais tristes: as damas, se estão em êxtase: as damas; se não estão: as DAMAS!

Pronto, é da idade! A verdade é que andam sempre apaixonados e têm um coração tão grande que dá para todos(as)!

O mano Latifo é o mais velho da casa e o “curandê”. Faz uns colares muito bonitos e põe os mais novos a ajudar. Gosta de estudar à noite e aproveita sempre as explicações das tias para dissertar (filosoficamente) acerca do mundo e dos Homens…ou mulheres, tem dias! Faz capoeira, teatro e palhaçadas quando é preciso animar a malta! Quando se ri, ouve-se na casa toda e adora música, particularmente a sentimental.

Enfim, é um sonhador e assim é que está bem, porque com a idade dele, é mesmo “o sonho que comanda a vida”.

E agora o João: no outro dia estava de mãos dadas com uma menina lá em casa e ficou mesmo envergonhado quando foi “apanhado” a namorar! Quer ser engenheiro agrónomo e tem isso muito bem definido. Não conversa tanto como o Latifo e às vezes é muito engraçado quando vem queixar-se dos pequenitos (Chico e Nando, lembram-se?): “Tia Paula, esses putos estão-me a provocar!” É, não é fácil ser-se mais velho, mas ele desempenha muito bem o seu papel. É vaidoso e anda sempre com um “look” à maneira, não vá aparecer uma dama a visitar…

Notícia final: meteorologia: choveu em Quelimane!!!! Após quatro longos meses, finalmente tomamos banho de chuva e ouvimos a trovoada e cheirou a terra molhada!

Afinal, às vezes esperar compensa e o que tem que vir…vem! Às vezes…

 Paula Coelho

 

 

 

 

É Natal, é Natal…

 

Não é, mas está aí a chegar e aposto que em Portugal já estão as montras decoradas, os saldos de natal a rolar, os anúncios televisivos a chocolates, brinquedos e bacalhau a saturar a paciência a muita gente.

Não tarda nada, as ruas vão estar iluminadas, transformando-se em mares de gente que teima em fazer desta época a do consumismo desenfreado (só espero que o Porto não seja novamente “brindado” com a maior árvore de natal da Europa!!)

Os fins de semana vão tornar-se no habitual inferno de trânsito e engarrafamentos – fujam das proximidades de centros comerciais!

Pois aqui não há iluminação nem montras decoradas e esquecemo-nos que daqui a um mês é suposto comermos o bendito bacalhau com batata cozida e muito alho! Quer dizer, agora lembramo-nos.

E pronto, agora que fomos mazinhas e falamos do que nos irrita, passamos ao que nos fará falta: a família, a alegria de fazer a árvore de natal com os miúdos em casa dos pais, avós e afins…o sentimento de sermos dali e estarmos em casa, o frio da rua e o calor da lareira.

Pois aqui também estamos em casa e crianças não nos faltam para alegrar a época. E também fazemos compras: temos o mercado da roupa (onde se encontram peças usadas fantásticas e as famosas capulanas), as lojas comerciais Quelimanenses, com uns vestidos monhés top model e, claro, lojas dos chineses – sim, também aqui!

Como não há centros comerciais, aproveitamos a boleia do P. Estêvão ou do Gani e vamos à praia…é uma chatice! Pois: aqui está calor.

Temos lojas de bebidas que também vendem gel de banho, lojas de tabaco que também vendem verniz das unhas, a Casa das Frutas que toda a gente julga ser frutaria até descobrir que tem tudo, o Atlântico onde fazemos as compras para o mês, o mercado do peixe onde compramos peixe fresco, camarão, amêijoa, caranguejo…o vendedor de fruta na rua com ananases e mangas e, muito importante, em cada esquina e onde menos se espera, alguém que vende giro (tradução: recarga de telefone para nos manter em contacto com o mundo e com a cidade já que vivemos no bairro!).

Também tomamos café no intervalo da azáfama (!!) das compras no Saima, onde o Sr. Carvalho prometeu ensinar-nos a fazer massa folhada ou bebemos uma Coca (sim, às vezes uma Laura…) no Gani, o nosso canto de paz com vista paradisíaca para o Rio dos Bons Sinais. Vamos à Net no Zambézia (desde a história da pizaria), conversamos com o Hélio (sempre sorridente) e passamos depois no talho da D. Eugénia. Não faltamos à visita ao Xeque-Mate, onde o Rui Tuga (filho da D. Eugénia do talho) tem sempre umas histórias animadas e um ar condicionado magnífico que acabamos por dispensar já que no pátio estão os cães (o Xeque e o….) e sentimo-nos como em casa de família, de visita.

Entre toda esta animação ainda temos tempo para as conversas em casa de amigos como a Andréa, o Yussuf e toda a família e outros que vão aparecendo – beijos para os Açores e até Janeiro, Dina e Pedro!

Até parece que é só festa, não é? Afinal ser voluntário é maningue nice…

Pois então voltamos à secção crianças para falar dos que nos acompanham todos os dias. Hoje apresentamo-vos o Isac e o Atanázio.

O Isac, ou ratinho, é um excelente cozinheiro e dos putos mais mexidos que já vi. Até a falar é rápido, o que sai da norma do moçambicano “normal”. Acho que daria um bom político porque tem cá uma desenvoltura no discurso que até a mim me convence. É demais a contar histórias e no outro dia disse-me que havia guerreiros e marinheiros no feijão do jantar e estavam todas a lutar…acho que o feijão ganhou bicho!!! Enganei-me. O feijão está bom, estes putos inventam cada uma! No dia seguinte perguntei-lhe quem ganhou a batalha do feijão: “Empataram, tia, na minha barriga!”

O Atanázio, ou Ataná (como prefere ser tratado), é o mais recente membro Casa Esperança. Chegou pouco depois de mim e não se adaptou muito depressa. Cá em casa dizem que este é dos “teimosos”. A verdade é que personalidade não lhe falta e agora que está mais à vontade, dá gosto vê-lo rir e brincar com os mais novos. Acho que se tornou também no ajudante de curandê mais aplicado da casa (tradução: ajuda o mano Latifo nos colares) mas também no mais esperto – o Latifo queixa-se que este não trabalha de graça! Vai começar a ir à escola este ano mas no estudo cá em casa percebemos que aprende depressa e é muito atento. E atento é em tudo: está sempre a observar o que se passa e a ele não lhe passa nada ao lado!

E pronto, já vai longo o texto e ficamos por aqui. Beijinhos às sisters que já partiram (não esquecer o resultado das folhas de goiaba!) e a todos que estão por aí, a curtir o frio e o pai natal de gorro. Nós por cá, é mais biquini…

Paula e Sara

Do lado de cá

 Venho de um pátio de crianças que brincam com a lua cheia e riem e correm e não querem ir dormir.

No pátio donde venho fica a tia Sara a contar estrelas e a sorrir.

Este lugar donde vimos ou ficamos é a recompensa de muito trabalho, de dias que correm menos bem, de pequenos confortos que deixamos aí.

Falo-vos do coração e exerço o meu direito à poesia: são momentos assim que fazem esquecer tudo e querer continuar, são as crianças que justificam tudo o que sonhamos fazer aqui, neste pátio do mundo, ou aí ou em qualquer outro lugar. E, rindo ou chorando com elas, não consigo já pensar noutra forma de viver.

África realmente altera-nos os sentidos, a percepção do mundo, a noção de céu e inferno, aquilo que julgávamos saber de nós.

Não sei porque falo no plural. Mas saiu assim e se calhar é porque nunca vivi com tanta gente diferente em tão pouco tempo, porque nunca senti como agora esta confusão de ser única e um grão de arroz, de ser diferente e tão igual, de sentir o cheiro das castanhas que não vou comer no vosso Inverno e salivar com as mangas que o calor de cá me oferece.

Pois é, nós por cá tudo bem, quando corre bem. Há dias de desânimo mas há sempre alguém que nos mostra que “há-de vir” e será muito bom quando vier.

Agora para mostrar realmente a minha veia poética um facto curioso: estou eu e um país inteiro à espera de chuva. Nada de mais, a não ser lembrar-me dum poema que escrevi para uma disciplina do meu curso o ano passado, sem nunca ter pensado em chegar aqui. Escolhi, de entre muitas, esta frase que me mandaram depois comentar:

Eu acho que a seca não seria nada se não fosse a falta de chuva.

                                                                                     (Fontanarosa)

E aqui fica, ao vivo e pela primeira vez na vida publicado, o que escrevi:

 

Branco mais branco, não há!

 

O exercício da constatação do óbvio

Pode não ser assim tão óbvio.

Mas, neste caso, parece-me óbvio:

A seca em que vivemos

Deve-se à falta de chuva,

A solidão em que habitamos

Deve-se à falta de humanidade,

O desamor que nos aniquila

Deve-se à falta de amor.

Tudo isto não seria nada

Se não nos fizesse falta.

A seca não seria nada

Se não provocasse a fome,

A fome não seria nada

Se não precisássemos de comer.

     And so on, and so on…

A vida, atrevo-me a dizer, não seria nada

Se não fosse obrigatório morrer…

E muito mais haveria a dizer sobre a agricultura!

 

Se calhar é um despropósito mas apetece-me mesmo agradecer aos companheiros ataca e lembrá-los do grande trabalho que estão a fazer, até porque aí longe, esta realidade que vivo todos os dias pode esbater-se…aqui não há forma de esquecer, por isso vos digo: estas crianças merecem tudo o que lhes conseguimos dar e mais, tanto que nem se consegue descrever. Estas e todas as outras, mas como estas são as que ajudamos…obrigada aí, malta!

Sabem que mais? Vou voltar ao pátio e contar estrelas também, que a sonhar todos temos direito!

Hoje não há parte sobre crianças em particular: apeteceu-me falar de todas!

Beijos e sonhem também.

Paula

Balanço

Zeque…. zeque…. zeque…. zeque…. Tia Gordidinha?! Tia Sportzone?! Zeque… .zeque….

Às cinco da manhã lá começavam os sons matinais da vassourinha a limpar os caminhos à volta da casa, o ruído agradável de uma discussão infantil, de um cântico determinado, da água do banho, da impaciência da atenção das tias…

No avião, a escrever o blog, por volta das 5h30m, já estamos saudosas, a imaginar os meninos da Casa Esperança, os nossos meninos, a começar mais um dia…

Este é o momento em que, supostamente, deveríamos fazer o balanço da nossa vinda a Moçambique: ainda com a cabeça em Quelimane e a voar em direcção a Portugal!

Na segunda-feira o dia foi intenso, porque foi o último e porque queríamos levar as memórias de todos connosco: os sorrisos de uns, as brincadeiras de outros, as conversas, os sonhos, os pedidos, as questões… “as tias vão voltar?”

Estes meninos são mesmo muito especiais, são diferentes dos nossos… A vida não lhes deu como presente o apoio familiar ou o apoio de uma sociedade organizada e com leis protectoras em relação às crianças… Cedo tiveram que aprender a noção do dever,  mas também a defender-se, sem deixar, no entanto (pelo menos num ou noutro caso) de ser solidários: “tia, o chinelo rebentou…” e lá aparece um menino a emprestar os seus chinelos, para que o amigo não vá descalço à missa, porque o chinelo rebentou e as sapatilhas já não “têm muita saúde!”. É muito difícil substituir o material inutilizado, pois os recursos são limitados. “Tiramos o chapéu” a quem está a levar este “barco” para a frente, porque, apesar  dos apoios recebidos, estes não são suficientes.

Há muitos valores que a sociedade ocidental está a perder e que este meninos nos ensinaram, tais como o valor do trabalho (noção do papel e tarefas de cada um na casa), o valor do respeito (muito educados) e da noção de comunidade como um  todo (distribuição da comida  de forma igual por todos, por exemplo), a alegria de viver e o gozo com as pequenas coisas (receber uma bola para todos, comer esparguete com frango, uma ementa nova para eles, comer uma fatia de ananás, de bolo de chocolate ou um ovo cozido ou beber um copo de leite são motivos de alegria!!!)… “tia, de ontem para hoje já engordei!”

Claro que são meninos, claro que pedem coisas que as tias têm que lhes chamam mais a atenção, tal como a t-shirt da ATACA. Mas, pelo menos alguns, também têm a noção de justiça quando, na sua opinião, acham que esta deveria ser dada por direito ao mano mais velho, que ainda não tem nenhuma e que ainda por cima se porta sempre bem…

Também têm os seus sonhos e foi por isso que um dos meninos da casa nos ofereceu um caderninho com alguns contos feitos por ele (à sua medida, é claro!). Estamos muito orgulhosas dele e sentimos, que de alguma forma, lançamos uma sementinha no seu coração!

Tivemos conversas interessantes com outros meninos sobre diversos assuntos, tais como política, saúde, atitude, futuro, justiça, reflexão sobre as coisas quando assim  se proporcionou (“tias blá blá, mas não em vão!!!”).

Quando manifestávamos a nossa preocupação sobre o papel que desempenharíamos na Casa Esperança, alguém nos disse que a nossa experiência como mães seria uma mais valia. De certa forma, para além de todos os objectivos que nos foram definidos, foi esse o papel  que nos coube e sentimo-lo na relação com alguns dos miúdos da casa… Uma relação de mãe para filho, mas também de filho para mãe: “tudo o que te dou, tu me dás a mim…” foi a canção que ensinámos aos miúdos (sugestão da Paula, que sabe a letra de muitas canções, quando lhe pedimos uma canção para o momento das despedidas).

Não podemos deixar de salientar o papel da ATACA no melhoramento das condições de vida das crianças que não vivem na Casa Esperança, na importância que têm as conversas que se estabelecem com as famílias e que podem ajudar na formação de uma nova mentalidade tão necessária para o desenvolvimento de Moçambique.

Também aprendemos muito com as famílias moçambicanas, sobretudo no que diz respeito ao valor da família. Sempre que uma criança perde os pais, os tios, os avós, enfim, alguém da família, assume essa criança, mesmo que a prole já seja bem grande.

Mas … deixemo-nos de “blá, blá” gratuito e lembremo-nos do último momento, em festa, em que finalmente aprendemos (mal!!!) a dançar marrabenta ao som da música moçambicana tão apreciada por todos… não queríamos lágrimas no momento da partida!

Demos o nosso último abraço a cada menino e… não tivemos outro remédio senão regressar a Portugal … mas sempre com a vontade de voltar a Quelimane.

Até breve!

As sisters

Isménia e Letícia

Ai!

Ai!

Ai! Estes miúdos é que a sabem toda… e eu continuo aqui às aranhas a tentar perceber como me convencem ser eu dar por ela!

Ai! Quem disse que o tempo passa devagar em África? Eu corro, corro (sendo que às vezes chego ao fim do dia sem saber o que fiz) e tenho a sensação que os dias me passam pelos dedos como o leite de coco que aprendi a coar.

Ai! Quem me dera ser criança outra vez e trepar com os meninos às mangueiras e comer fruta verde e inventar histórias às tias e ter energia para tanta asneira, tanta brincadeira, tanto riso e choro…

O Rui Veloso (ou o Carlos Tê) dizia: “triste é trocar os calções por colarinho apertado…”. Pois, colarinho não arranjei, mas dá uma vontade de me juntar a eles na confusão e deixar o lado da responsabilidade que nem vos digo nem vos conto!

Isto de ter crescido e estar na fase já “cota” da vida não é assim tão engraçado como eu poderia pensar.

Ai!

Pronto, já passou. Volto à idade adulta para vos dizer que as férias escolares estão aí e as crianças em breve irão visitar os familiares, o que quer dizer que a casa vai ficar mais tranquila durante uns dias. E já estamos em Novembro!

As mangas e os ananases têm um cheiro que não se pode descrever e é pena a falta de chuva que não deixa a natureza seguir o seu curso e ajudar Moçambique a produzir. É triste ouvir as mamãs quando falam da seca nas machambas, mais triste o lamento da falta de pão.

Mas há-de vir que merecemos e estamos todos à espera da bênção da água. Pena eu não ser feiticeira…

Nestes textos para o blog acho que exagero sempre nas reticências, não sei porquê. Se calhar já apanhei mesmo o sotaque moçambicano e aquela mania que me irrita da pausa antes da resposta – que nos faz pensar que não vai haver resposta nenhuma mas afinal há.

E também sei que digo demasiadas vezes ya e nada e ainda! Ando a treinar também o logo e agora. Sou mesmo terrível na adaptação à língua, em viciar-me facilmente no que devo e não devo.

E por falar em língua, pergunta-me uma mamã, enquanto comenta o meu pobre Chuabo:

“ e no dialecto da tia, como se diz?”. Primeiro: não percebi; segundo: que dialecto?; terceiro: “mas então só falam português em Portugal? Não há língua própria? Xiiii!”

Bolas! Isto de estar globalizada, como dizem os putos, é mesmo complicado…não é que achava que em Portugal o português era língua oficial mas não materna? A novidade que lhe dei deixou-a mesmo a pensar, acreditem!

Não, ninguém acredita! Enquanto escrevo, às 23h30, o vizinho acha boa ideia pôr o Sr. Zico a cantar o “Vamos embora” a altos berros. Lembro-me também do xarope da tosse que não tomei e está na cozinha – sim, que o meu grande problema de saúde em África têm sido as constipações – e lá vou eu.

ARANHA!!!

Grande, gorda e segundo a Sara, parecida com a de Milange, mas mais pequenina. Sim, fiz a cena do costume e depois? Não consigo evitar!!! E ainda por cima a Sara não lhe acertou, o que quer dizer que continua lá, atrás do armário…amanhã compro spray e fumigo a cozinha toda!!!

Ai, ai. AI!!!

E agora a secção dos meninos, que é a preferida das tias que regressam a Portugal cheias de saudades. Hoje é vez do Maiquel e do Paitinho (ou Paíto). São os artistas da casa. E artistas em vários campos: a sair fora de horas…a fazer asneira…e a cantar!

Já não sei quantos vídeos têm a cantar as suas musiquinhas de amor e os seus “raps” Casa Esperança. Convencem de tal forma as tias que não fazem outra coisa senão”gravar” os artistas que perguntam sempre: “Tia, depois toda a gente vai ver em Portugal?”

Estão na fase do armário e às vezes é preciso mesmo lembrá-los que crescer significa ter mais responsabilidades.

Lembram-se do poema de amor que me perseguia? Pois foi o Maiquel que andou aí apaixonado… e até tem damas a virem visitá-lo!

O Paitinho tem problemas com as suas borbulhas da puberdade e, de quando em vez, lembra-se que já é crescido. Também tem umas cartas de amor por aí escondidas que a tia Sara vai apanhando durante as explicações.

Resta-me acrescentar que o texto é escrito em partes e agora tenho que dizer que a corajosa Sara já matou a aranha medonha (que eu, claro, voltei a encontrar já no corredor e a caminho dos quartos).

E só para que não esqueçam: aqui está um calor, minha gente, que dá vontade de virar peixe e viver dentro de água. Obrigada a quem me escreve e conta do frio e do Outono em Portugal…sim, mamã Vera, beijinho para ti e para a Leonor!

Aviso à comunidade ataca que já por aqui passou: a pizzaria mudou de gerência. E agora? Não sei como vai ser mas para já acabou-se o pequeno oásis wireless da zona. E o Zambézia fica tão longe…enfim, viver em África!

Até já!

Paula 

Momentos!

Quelimane, 5 de Novembro de 2008

Lembram-se que dissemos que vivemos outros momentos que nos marcaram?

Pois fiquem sabendo que temos “políticas” em potência na Casa Esperança!

Não é que logo no dia seguinte à nossa chegada vivenciamos uma experiência que nos surpreendeu?

A pedido da Irmã Lídia e das tias Guida e Teodora foi convocada uma reunião com os familiares dos meninos da casa. Sentem que a família não se envolve o suficiente na sua educação e que isso prejudica as crianças. Assim, fizeram questão de sublinhar a importância da família na construção dos valores e enfatizaram o facto de haver voluntários que se dedicam mais a estas crianças do que a própria família. A forma como as tias Guida e Teodora envolveram a plateia!!! A reflexão sobre estes temas (em chuabo e português), com a colocação de questões que obrigavam a uma resposta por parte de todos e a forma determinada com que o fizeram, lembraram-nos as missas de Gospel que tantas vezes vimos nos filmes americanos… Ainda não foram descobertas pelos políticos locais que se encontram neste momento em campanha em Moçambique, porque senão nós, “Casa Esperança”, já “éramos”…

Ficamos tão bem impressionadas com a sua interpelação que pensamos que são as pessoas ideais para nos ajudar a transmitir a importância da prevenção da SIDA às mamãs, na formação que estamos a preparar.

Também gostamos particularmente de um episódio que envolveu o responsável da Casa, o Joaquim. Tendo-lhe a Irmã Lídia dado a palavra, ele pediu para chamar três meninos que considera serem exemplos a seguir dado o seu sentido de responsabilidade e o facto de serem trabalhadores e disponíveis. São eles o Mussa, o Assamo e o Jesué. Achamos o máximo ter sido dado este “reforço positivo” à frente de todos!

Como ficamos imbuídas do espírito da reunião, resolvemos tirar fotografias às diferentes famílias. A intenção era imprimir uma para dar à criança e outra para ela oferecer ao familiar com uma dedicatória. Quem sabe será uma forma de se lembrarem mais uns dos outros!

No fim do dia, reflectimos sobre a reunião com a Paula e a Sara, e percebemos como é indispensável que mantenham o contacto familiar para, no futuro, quando saírem da Casa, terem um local para ir e se sentirem integrados.

No Domingo fomos à missa na catedral de Quelimane com os miúdos da catequese. Era o dia da festa de fim de ano…

Foi um momento de contacto com os miúdos que aproveitamos para nos conhecermos: “Tia, quantos filhos tem?”… Na catedral todas as pessoas estavam sentadas porque fazem questão de nos “arrumar” nos lugares vagos… Quando percebemos estávamos numa ponta da catedral e as crianças na outra!

Como os alunos da catequese foram convidados para almoçar e tivemos que estar à espera dos pratos e copos deles e de um guia (o João) que nos indicasse o caminho para casa, pois não fazíamos ideia como lá chegar, aproveitámos para brincar com as crianças ao “lencinho vai na mão”. Quando demos por ela, a roda estava bem mais larga, porque aos pouquinhos foram entrando na brincadeira algumas meninas da catequese…

 Também fomos conhecer a escola e simulámos a entrada da professora na sala de aula: “Bom dia, Sra. Professora!” Disseram as crianças levantando-se. “Bom dia! Podem sentar-se!” “Obrigado!” disseram enquanto se sentavam… Quão educados eles são!!!!!!

Brincámos também ao, imaginem (!), “Quem tem medo do homem branco?” (sugestão das crianças!) Nada mal para quem está a começar um relacionamento!

A semana foi de árduo trabalho. As crianças ficaram contentes: iam ser pesadas e medidas (altura, circunferência do braço e cintura)! Uau!

Era quem mais “fazia músculo” para provar a sua força!!!

Fomos sabendo as suas preferências alimentares e o que queriam ser quando fossem grandes: pilotos (alguns!), bombeiro, músico, engenheiro, 1º ministro, páraquedista, trabalhar com computadores, electricista, “trânsito” (polícia)…

Fomos descobrindo que o “piloto” gosta de ler, que o ”professor” inventa “dínamos” (invenção que funciona como ventoinha ligada a pilhas!), que o 1º ministro gosta de discursar e que é aficionado do FCP (dança o samba, cantando “Os Filhos do Dragão”), que o músico tem um caderninho cheio de letras românticas feitas pelo irmão também cantor…

Aos pouquinhos, lá foram ganhando confiança nas tias e agora…

Já sabem: se quiserem saber mais, leiam as nossas próximas notícias.

Isménia e Letícia

The sisters

Finalmente em Moçambique

Quelimane, 26 de Outubro de 2008

Finalmente em Moçambique!!!

Tem corrido tudo tão bem connosco que as cores com que pintamos este país, devido às preocupações com a nossa integridade física, são bem mais coloridas do que aquelas que pensávamos vir a encontrar… Malária!?…Cólera!?… Febre amarela!?… Mosquitos!?…Calor!?… Mas que desperdício de tempo todas as horas em que nos preocupamos com as dificuldades que nós, europeus, supostamente nos debateríamos em África!!! O calor tem estado perfeitamente aceitável, ainda não sentimos os mosquitos e a água da companhia que bebemos, filtrada e com uma gotinha de lixívia, não nos fez absolutamente mal nenhum.

Desde que saímos de Portugal temos tido tanta sorte que todos os momentos se parecem encaixar uns nos outros, como se de um puzzle se tratasse.

Chegámos a Maputo no horário previsto, onde só iríamos ficar por umas horas que eram poucas para conhecer a cidade e muitas para quem está à espera de um avião. Mas, como quem tem amigos tem uma grande fortuna, tivemos a sorte de ter um amigo em Maputo que assim que recebeu o nosso telefonema, parou tudo o que estava a fazer e nos foi buscar para almoçar, tendo-nos ainda presenteado com uma visita guiada, num jeep, pela cidade.

O avião para Quelimane saiu também à hora programada e quando chegámos já tínhamos à nossa espera a Irmã Lídia, o Latifo, a Paula e a Sara. Tivemos desde logo lugar de honra, já que nos foram reservados os melhores lugares no “chapa” da Irmã Lídia, ao seu lado, tendo viajado os restantes elementos do grupo nos lugares exteriores da viatura.

Mal chegámos à Casa Esperança, mostraram-nos todas as divisões do espaço que iremos ocupar durante o mês. A casa estava arrumadinha e a brilhar, pelo que nos pareceu tinha havido “esfrega” profunda para que encontrássemos tudo absolutamente irrepreensível. Vejam só que a Sara e a Paula até nos puseram flores no quarto! Isto de sermos mais velhas tem as suas vantagens, não é verdade? Afinal de contas estavam a receber umas senhoras com algum “estilo” e por isso diligências especiais tinham que ser feitas: um jantarinho maravilhoso de caril de camarão com arroz da machamba aguardava-nos… Não podemos deixar de referir que a Paula se tem revelado uma óptima cozinheira. Fiquem com água na boca: também já nos preparou um peixe assado no forno e uma açorda de coentros e camarão de “chorar por mais”. Quem a conhece deve estar surpreendido, pois afirma não gostar de cozinhar!

No dia seguinte à nossa chegada, cerca das 5 horas da manhã (ups!), sentimos o toque do sol a afagar-nos o rosto e escutamos o som alegre de crianças a cantar no pátio. Não nos levantamos logo, é claro…estremunhadas ainda estávamos a tentar assimilar todos os acontecimentos: Onde estamos? Estaremos a sonhar?

Depois de termos percebido exactamente o que nos tinha acontecido, levantámo-nos de imediato. A Paula e a Sara começaram por nos apresentar as famosas tias Guida e Teodora que nos receberam com um sorriso de orelha a orelha! São mesmo simpáticas!

Claro que também tivemos oportunidade de ver um ou outro menino mais atrevido que timidamente se ia aproximando, curioso, de nós… “qual é o teu nome tia?”

Como o primeiro dia é dedicado ao reconhecimento local, a Paula pensou em levar-nos à cidade. Uma vez que a Irmã Lídia apareceu bem cedo, ofereceu-se para nos transportar até lá. Antes disso, demos uma grande volta por alguns bairros de Quelimane, onde bebemos a nossa primeira água de lenho. Durante este percurso, a Letícia fez companhia à Paula e à Sara na caixa aberta da carrinha sugerindo que a Isménia fosse ao lado da Irmã Lídia, porque, em nenhum momento, descurou a responsabilidade de proteger o corpo “frágil” da irmã, incumbência que lhe tinha sido recomendada, dada a sua maior robustez!!! E lá foi a Isménia a conversar animadamente com a Irmã Lídia que lhe foi contando coisas sobre Quelimane.

Trambolhão para cá, trambolhão para lá, fomos tirando umas fotografias que ora ficavam tremidas, ora de cima para baixo, ora de baixo para cima…afinal tínhamos que nos posicionar para apanhar os melhores ângulos da peculiar paisagem de Quelimane.

Na cidade fomos visitar o Gani ao seu restaurante sobre o rio, que nos ofereceu o almoço com a sua habitual cortesia e boa disposição.

A Irmã Lídia pediu-nos para estar na Casa Esperança às 15h30m, pelo que, no fim do almoço nos pusemos a caminho e… quando chegámos: Surpresa! Surpresa! Os nossos amiguinhos, vestidos com as suas melhores roupas, receberam-nos em festa. Escreveram palavras de boas vindas nos diferentes quadros da sala, cantaram, dançaram e fizeram uma peça de teatro para nós. Ofereceram-nos também uma bonita capulana a cada uma que nos foi colocada a preceito pela tia Teodora.

Tivemos a oportunidade de nos aproximarmos das crianças, conversamos com elas, lanchamos todos juntos e no final do dia até demos um pé de dança com os meninos. Foi muito divertido. E que energia e ritmo eles têm! E que carinhosos que são: foi enternecedor sentir umas mãozinhas pequeninas no meio das nossas mãos!… Foram momentos únicos.

Já vivemos outros momentos que nos marcaram, mas que não iremos contar agora. Se quiserem saber mais, leiam as nossas próximas notícias…

Isménia e Letícia “The sisters”

Às vezes

Às vezes as saudades falam mais alto e invade-nos esta nostalgia de ser português. Salva-me a língua que me faz sentir em casa, os meninos que são a luz dos meus dias, as tias que me dão o mimo de mãe, o sorriso das mamãs que encontro na rua e nos saúdam como família e uma menina que passa e diz: “Tia Paula! Bom dia, bom dia! No sábado vou à explicação.”

Salvam-me os amigos que vou fazendo, o Gani e a sua infindável boa vontade para tudo e mais alguma coisa, o Padre Estêvão com a sua boa disposição e o dicionário de Chuabo que me emprestou, a Marisa com os seus beijos meigos e o atendimento personalizado na Pizzaria, o Aurélio, o Rui e os pais, o Razak e toda a sua maravilhosa família: Jorge, Yussuf, Kadir, Yassmin, Mariam, Xarif, …ena, já são muitos, mesmo!

Na semana passada começamos a tratar da decoração cá em casa e a I. Lídia arranjou uns quadros e outras coisas mais que também ajudam a alegrar o espírito. Lembrei-me que em Portugal prepararam a inauguração da sede da ATACA, agora renovada e um brinco (pelo que ouvi dizer),.. Já falhei essa…

A Sara, já no ritmo de Quelimane, é uma excelente companhia na conversa e no silêncio. Ainda bem que aqui está…e que me atura!

Mas sim, tenho saudades da minha (outra) família e dos meus amigos tugas, do Outono espelhado no rio Douro, do caminho para o monte (ou Paços de Ferreira) ao fim de semana e do meu cão doido ao portão, dos meus dois sobrinhos lindos (os whities!) …

Tenho saudades da Ribeira e de um fino no Frank, de percorrer a marginal até à Foz e pedir uma caipirinha…ah, saudade!

E não me importo de ter saudades porque é bom, faz-me sentir amada por muita gente, faz o coração bater mais alto, mais descompassado, faz-me mais humana.

E porque tudo isso não me impede de ser feliz aqui. Cada vez mais estou em casa e depois vou ter saudades e vai ser mais complicado ainda… e lá estou eu a stressar com o que está para vir!

Vamos ao que interessa, que isto de desabafos não anima ninguém!

Prometi que falava das crianças e hoje é a vez do Quinho e do Inô. Falo deles a par porque são, respectivamente, irmãos dos anteriores artistas Nando e Chico – e quem não leu que o faça agora!

O Quinho gosta de tentar assustar as tias e quando cheguei disse-me que havia por cá muitos bichos-papão! Um dia chega e diz: “Tia, matei o último, já acabou!”, mas não acabou porque entretanto apareceu outro em casa, o “Terror”, que deve ser da família do anterior…

É também um excelente professor de Chuabo, mas debita tanta informação de uma vez só que fico (mais uma vez) lost in translation! Às vezes é um bocadinho preguiçoso…como o são todos os meninos, mas é uma delícia conversar com ele e vamos ser grandes companheiros.

E agora o Inô: este conquista qualquer um só com o sorriso e não conheço nenhum com uma expressão tão sofrida e concentrada quando canta – mesmo nos ensaios!

É muito bom aluno na escola e é, quase sempre, bem comportado. Há um pormenor que acho muito querido, apesar de saber que o transtorna um bocadinho: o Inô gagueja e quando fica nervoso, naturalmente nota-se mais. Fica um doce, a sério! Um dia tentaram enganá-lo no troco do pão e demorei um bocadinho a perceber…

Mais uma vez: impossível não morrer de amores por este menino!

E pronto, agora que já babei o suficiente a falar de crianças, acrescento só que chegaram novas tias, Mena e Tita, que já estão no ritmo Casa Esperança e que tiveram uma recepção à maneira com direito ao menu completo: canções, teatro, capoeira, refresco e bolachas, capulana e discoteca pela noite dentro. Acho que os putos já lhes ensinaram umas coisas…mas disso falarão elas.

Nova moda: anda tudo a apostar banhos de lama. Acho que as novas tias ainda não perceberam que o conceito não é bem um tratamento de beleza…a ver vamos!

Um agradecimento muito especial à irmã gémea da Tia Mena: tenho máquina fotográfica outra vez! Muito obrigada, mesmo!

E os assentos de silicone para a bicicleta…um verdadeiro luxo!

Beijos e abraços do Bairro do Aeroporto!

Paula

De volta a Quelimane….

Estou de volta a Quelimane. Apanhamos boleia, eu e Janine, do Frei Samuel até Mocuba e depois o Machibombo até Quelimane. Foi uma viagem muito cansativa que durou 7 horas.

Foi muito aliciante trabalhar com os jovens de Milange porque, para lá da ajuda que lhes prestamos e que nos deixou muito felizes, eles mostraram sempre uma grande satisfação e um grande acolhimento retribuindo de igual modo toda a nossa dedicação. A despedida foi exemplo de tudo isso: prepararam-nos um almoço surpresa, uma carta e uma música feita por eles! Gostamos muito!

A dupla de Milange separou-se: a Janine já voltou para Portugal e eu já estou com saudades… J Agora formou-se uma nova dupla: Sara e Paula!

 

Quando levei ao aeroporto a Janine, a Dina e a Helga estávamos todas muito tristes mas… eu pensei “ainda bem que eu não tenho que ir já embora” pois sinto que ainda tenho muito a fazer, conhecer e aprender. Moçambique faz-me sentir bem e querer fazer parte de tudo o que me rodeia. Um miúdo disse-me que eu já estava globalizada. Globalizada, diferente de em Portugal, significa para ele que já estou integrada. O dicionário diz-me que este miúdo é inteligente, senão vejamos: “globalizada = apreciar algo na sua totalidade, sem atender às partes. Tornar comum ou global.”

            À Paula ainda lhe digo muitas vezes “calma Paula estás em Moçambique”. É preciso muita calma e paciência…. Quelimane é diferente de Milange: uma cidade mais movimentada, uma casa repleta de miúdos mais novos que me acordam diariamente em grande alarido. Não nos dão um minuto de descanso!

 

 

Beijos e Abraços para todos em Portugal!!!